A Geografia Sagrada do Candomblé: Recriando a África em Território Brasileiro
Bem-vindo! Este blog funciona como um acervo pessoal, onde reúno tudo que me interessa na internet. É o meu espaço para organizar e não perder de vista as coisas que curto. Se algum dos assuntos por aqui chamou sua atenção, é provável que tenhamos afinidades. Fique à vontade para sugerir novas ideias e conteúdos!
I. Sobre Deus.
II. Sobre a Natureza e a Origem da Mente.
III. Sobre a Origem e a Natureza dos Afetos.
IV. Sobre a Servidão Humana, ou sobre a Força dos Afetos.
V. Sobre a Potência do Intelecto, ou sobre a Liberdade Humana.
I. Por causa de si entendo aquilo cuja essência envolve existência, dito de outro modo, aquilo cuja natureza só pode ser concebida como existente.
II. É dita finita em seu gênero uma coisa que só pode ser limitada por outra de mesma natureza. Por exemplo, um corpo é dito finito, pois sempre concebemos outro maior. Igualmente, um pensamento é limitado por outro pensamento. Mas um corpo não é limitado por um pensamento, nem um pensamento por um corpo.
III. Por substância entendo o que é em si e se concebe por si: isto é, aquilo cujo conceito não precisa do conceito de outra coisa para se formar.
IV. Por atributo entendo aquilo que o intelecto percebe como constituindo a essência da substância.
V. Por modo entendo as afecções da substância, isto é, aquilo que é em outro e se concebe por outro.
VI. Por Deus entendo o ser absolutamente infinito, isto é, uma substância composta de infinitos atributos, cada um deles exprimindo uma essência eterna e infinita.
Explicação: Digo absolutamente infinito, não infinito em seu gênero. Com efeito, podemos negar infinitos atributos ao que é infinito em seu gênero, mas ao que é absolutamente infinito, pertence a sua essência tudo o que a exprime e não envolve nenhuma negação.
VII. Diz-se livre a coisa que existe somente pela necessidade de sua natureza e que é determinada a agir somente por ela: e necessária, ou compelida, aquela que é determinada por outras coisas a existir e operar de certa e determinada maneira.
VIII. Por eternidade entendo a própria existência concebida como o que se segue necessariamente da simples definição de coisa eterna.
Explicação: Pois tal existência, da mesma forma como a essência de uma coisa, é concebida como uma verdade eterna e, por isso, não pode ser explicada pela duração ou pelo tempo, mesmo que por uma duração sem início ou fim.
I. Tudo o que é, ou é em si, ou é em outro.
II. O que não pode ser concebido por outro, deve ser concebido por si.
III. Dada uma causa determinada, segue-se necessariamente um efeito, e, ao contrário, se não há nenhuma causa determinada, é impossível que se siga um efeito.
IV. O conhecimento do efeito depende do conhecimento da causa e o envolve.
V. Coisas que não têm nada em comum entre si, também não podem ser entendidas uma pela outra, dito de outro modo, o conceito de uma não envolve o conceito da outra.
VI. A ideia verdadeira deve convir com seu ideado.
VII. Qualquer coisa que pode ser concebida como não existente, tem uma essência que não envolve a existência.
Uma substância é por natureza primeira com relação a suas afecções.
Demonstração: É evidente das Definições 3 e 5.
Duas substâncias com atributos diversos não têm nada em comum entre si.
Demonstração: Também é evidente da Def. 3. Pois cada uma deve ser em si, e deve ser concebida por si, isto é, o conceito de uma não envolve o conceito da outra.
Coisas que não têm nada em comum entre si não podem ser causa uma da outra.
Demonstração: Se elas não têm nada em comum, então (pelo Axioma 5) não podem ser entendidas uma pela outra e (pelo Axioma 4) não podem ser causa uma da outra. QED (Quod erat demonstrandum) - Como se queria demonstrar.
Duas ou mais coisas distintas, distinguem-se entre si, seja por que os atributos das substâncias são diversos, seja por que as afecções destas substâncias são diversas.
Demonstração: Tudo o que é ou, é em si ou é em outro (pelo Axioma 1), isto é, (pelas Defs. 3 e 5), fora do intelecto só existem as substâncias e suas afecções. Então, fora do intelecto não existe nada que possa distinguir diversas coisas que não as substâncias, ou, o que é o mesmo (pela Def. 4), seus atributos ou suas afecções. QED
Na natureza não podem existir duas ou mais substâncias com a mesma natureza ou atributo.
Demonstração: Se existissem várias [substâncias] distintas, deveriam distinguir-se entre si, seja pela diversidade dos atributos, seja pela diversidade das afecções (pela Prop. precedente). Se for somente pela diversidade dos atributos que se distinguem, conceder-se-á então que existe apenas uma do mesmo atributo. Mas se for pela diversidade das afecções, como uma substância é por natureza anterior às afecções (pela Prop. 1), então, se a despojarmos das afecções e a considerarmos em si, isto é (pela Def. 3 e pelo Axioma 6), se a considerarmos verdadeiramente, não poderemos concebê-la distinta de outra, isto é (pela Prop. precedente) não existirão várias [substâncias com mesmo atributo], mas apenas uma. QED
Uma substância não pode ser produzida por outra substância.
Demonstração: Na natureza não podem existir duas substâncias de mesmo atributo (pela Prop. precedente), isto é (pela Prop. 2), que tenham algo em comum entre si. Portanto (pela Prop. 3), uma não pode ser causa da outra, dito de outro modo, uma não pode ser produzida pela outra. QED
Resultado: Disso se segue que uma substância não pode ser produzida por outra coisa. Pois na natureza não existe nada além de substâncias e suas afecções, como fica patente pelo Axioma 1 e pelas Defs. 3 e 5. Ora ela não pode ser produzida por outra substância (pela Prop. precedente). Logo, uma substância não pode absolutamente ser produzida por outra coisa. QED
Outra demonstração: Isto se demonstra ainda mais facilmente pelo absurdo do contraditório. Pois se uma substância pudesse ser produzida por outra coisa, seu conhecimento dependeria do conhecimento de outra coisa (pelo Axioma 4) e, por conseguinte, ela não seria substância.
É natureza da substância pertence o existir.
Demonstração: Uma substância não pode ser produzida por outra coisa (pelo Res. Prop preced); portanto ela deve ser causa de si, isto é (pela Def. 1), sua essência envolve necessariamente a existência, ou, dito de outro modo, pertence a sua natureza o existir. QED
Toda substância é necessariamente infinita.
Demonstração: Uma substância com um atributo não pode existir se não for única (pela Prop. 5), e pertence a sua natureza o existir (pela Prop. 7). Portanto, por natureza ela existirá, seja como finita ou infinita. Mas não como finita, pois (pela Def. 2) ela deveria ser limitada por outra coisa de mesma natureza, que também deveria existir necessariamente (pela Prop. 7); e, por conseguinte, existiriam duas substâncias de mesmo atributo, o que é absurdo (pela Prop. 5). Logo ela existe como infinita. QED
Comentário I: Como ser finito é em parte uma negação, e como ser infinito é uma afirmação absoluta da existência de certa natureza, segue-se da Prop. 7 que toda substância deve ser infinita.
Comentário II: Não duvido que a demonstração da Prop. 7 seja difícil de conceber para todos os que julgam confusamente as coisas e que não costumam buscar conhecê-las por suas causas primeiras. Pois eles não distinguem entre as modificações das substâncias e as próprias substâncias, nem sabem como as coisas se produzem. Donde atribuem erroneamente às substâncias os princípios que veem nas coisas. Pois os que ignoram as verdadeiras causas das coisas confundem tudo e, sem repugnar a mente, forjam árvores que falam como homens e homens que nascem, não de sêmen, mas de pedras e imaginam formas quaisquer se transformarem em quaisquer outras. Igualmente, aqueles que confundem a natureza divina com a humana, atribuem facilmente a Deus afetos humanos, sobretudo por também ignorarem como os afetos se produzem na mente. Mas se os homens refletissem sobre a natureza da substância, não teriam a menor dúvida sobre a Prop. 7. Mais ainda, esta Proposição seria um axioma para todos e seria contada entre as noções comuns. Pois entenderiam como substância o que é em si e se concebe por si, aquilo cujo conhecimento não depende do conhecimento de outras coisas. E por modificações entenderiam o que é em outro, modificações cujo conceito se forma a partir do conceito da coisa em que elas são. Eis por que podemos ter ideias verdadeiras de coisas não existentes: ainda que elas não existam em ato fora do intelecto, sua essência pode ser compreendida em outra coisa, de sorte que podemos concebê-la por esta outra. Mas, fora do intelecto a verdade das substâncias existe nelas mesmas, pois elas se concebem por si. Se, portanto, alguém disser ter de uma substância uma ideia clara e distinta, isto é, verdadeira, e ainda assim duvidar da existência de tal substância, é como se dissesse ter uma ideia verdadeira e suspeitasse ao mesmo tempo que ela seja falsa (o que é evidente para qualquer um suficientemente atento); ou então, se alguém supor que uma substância é criada, supõe ao mesmo tempo que uma ideia falsa tornou-se verdadeira, o que é dos maiores absurdos que se pode conceber. Assim, é necessário confessar que a existência de uma substância, bem como a de sua essência, é uma verdade eterna. E, desta forma, pudemos concluir, de outra maneira, que existe somente uma substância de mesma natureza e julguei valer a pena mostrá-lo aqui. Mas, para fazê-lo de forma ordenada, cabe notar:
(I) que a definição verdadeira de cada coisa envolve e exprime apenas a natureza da coisa definida. Do que se segue
(II) que nenhuma definição envolve ou exprime um número preciso de indivíduos, pois ela exprime somente a natureza da coisa definida. Por exemplo, a definição de triângulo exprime somente a simples natureza do triângulo; e não um número preciso de triângulos.
(III) Cabe notar que necessariamente há, para cada coisa existente, uma causa certa e precisa que faz com que ela exista.
(IV) Note-se enfim que esta causa que faz com que certa coisa exista deve, ou estar contida na natureza ou definição da coisa existente (é à sua natureza pertence o existir), ou estar fora dela. Segue-se daí que se na natureza existe um número certo e preciso de indivíduos, deve necessariamente haver uma causa fazendo com que existam estes indivíduos e que não existam nem mais nem menos. Se, por exemplo, existem na natureza vinte homens (que, para maior clareza, suponho existirem juntos, sem que outros tenham existido antes), não bastará (para dar razão a que existam vinte homens) apontar como causa a natureza humana em geral. Será preciso também mostrar a causa que faz com que não existam nem menos nem mais que vinte; pois (pela nota III), para cada um deve haver uma causa que o faça existir. Ora, esta causa (pelas notas II e III) não pode estar contida na natureza humana, pois a verdadeira definição de homem não envolve o número vinte. Então (pela nota IV), a causa com que faz que existam estes vinte homens, e por conseguinte faz com que cada um exista, deve necessariamente estar fora de cada um. Donde se deve concluir de forma absoluta que todas as coisas, cuja natureza é tal que possam existir diversos indivíduos, devem precisam necessariamente de uma causa externa para existir. Agora, já que é natureza da substância pertence o existir (pelo que já mostramos neste Comentário), sua definição deve envolver a existência necessária, e, por conseguinte, sua própria existência deve ser concluída apenas de sua definição. Ora, de sua própria definição (como mostramos nas notas II e III) não se pode seguir a existência de várias substâncias. Logo, segue-se necessariamente que existe uma única [substância] de mesma natureza, como havia sido proposto.
Quanto mais uma coisa tem de realidade ou de ser, mais atributos lhe competem.
Demonstração: É evidente pela Def. 4.
Cada atributo de uma substância deve ser concebido por si.
Demonstração: Atributo é o que o intelecto percebe de uma substância como constituindo sua essência (pela Def. 4) e, por conseguinte (pela Def. 3), deve se conceber por si. QED
Comentário: Daqui se torna claro que, embora dois atributos sejam concebidos como realmente distintos, isto é, que um seja concebido sem ajuda do outro, não podemos concluir que constituam dois entes, ou duas substâncias diversas. Pois é da natureza da substância que cada um de seus atributos seja concebido por si. E, no entanto, todos os seus atributos sempre nela existiram simultaneamente e não foram produzidos um pelo outro, mas cada um exprime a realidade ou o ser da substância. Longe está de ser absurdo atribuir vários atributos a uma mesma substância. Assim é evidente que na natureza cada ente deve ser concebido em algum atributo, e que, quanto mais realidade ou ser ele tiver, mais atributos terá, e que [os atributos] exprimem necessidade, ou eternidade, e infinidade. E, por conseguinte, nada é mais claro que o fato de que o ente absolutamente infinito deve se definir (como ensinamos em Def. 6) como um ente composto de infinitos atributos, cada um exprimindo certa essência eterna e infinita. E se alguém perguntar por que sinal podemos reconhecer a diferença entre as substâncias, leia as Proposições seguintes, que mostrarão que na natureza existe apenas uma única substância e que ela é absolutamente infinita. Portanto este sinal será procurado em vão.
Deus, ou, dito de outro modo, uma substância composta de infinitos atributos, cada um deles exprimindo uma essência eterna e infinita, existe necessariamente.
Demonstração: Se o negas, conceba se puder que Deus não existe e que (pelo Axioma 7) sua essência não envolve existência. Ora, isto (pela Prop. 7) é absurdo: logo Deus existe necessariamente. QED
Alternativamente: Para toda coisa devemos assinalar uma causa ou razão tanto para que ela exista como para não exista. Por exemplo, se um triângulo existe, deve haver uma causa ou razão para que ele exista; e se ele não existe, deve igualmente haver uma causa que o impeça de existir ou que suprima sua existência. Além disso, a verdadeira razão ou causa, ou está contida na natureza da coisa, ou lhe é externa. Por exemplo, a razão da não existência de um círculo quadrado está indicada por sua própria natureza, pois ela envolve uma contradição. E, inversamente, a existência da substância se segue de sua natureza, que envolve a existência (ver Prop. 7). Mas a razão que faz com que um círculo ou um triângulo exista ou não, se segue, não de sua natureza, mas da ordem da natureza corpórea inteira. Dela deve se seguir que exista agora necessariamente um triângulo ou que seja impossível que ele exista agora. Estas coisas são evidentes. Donde se segue que existe necessariamente aquilo que nenhuma razão ou causa impede de existir. Se, portanto, não pode haver nenhuma razão ou causa que impeça Deus de existir, ou que seja capaz de tolher sua existência, então Ele existe necessariamente. Ora, se houvesse tal razão ou causa, ela deveria estar, ou na própria natureza de Deus, ou fora dela, isto é, em outra substância de outra natureza. Pois se ela fosse de mesma natureza, por isso mesmo teríamos que conceder que Deus existe. Ora, uma substância de outra natureza não teria nada em comum com Deus (pela Prop. 2) e não poderia nem pôr nem tolher a existência de Deus. Já que a razão ou causa que poderia tolher a existência de Deus não pode estar fora da natureza divina, ela deveria, se Deus não existe, se encontrar necessariamente dentro de sua própria natureza, que, por isso, envolveria contradição. Ora, afirmar isto do Ente absolutamente infinito e sumamente perfeito é absurdo. Logo, não há nem em Deus nem fora de Deus nenhuma causa ou razão que lhe tolha a existência e, portanto, Deus existe necessariamente. QED
Alternativamente: Poder não existir é uma impotência, e, ao contrário, poder existir é uma potência (como é evidente). Se, portanto, existissem agora necessariamente apenas entes finitos, então os entes finitos seriam mais potentes do que o Ente absolutamente infinito: e isto (como é evidente) é um absurdo; e, portanto, ou nada existe, ou o Ente absolutamente infinito existe também. Ora nós existimos, seja em nós ou em outra coisa que exista necessariamente (veja Axioma 1 e Prop. 7). Portanto, o Ente absolutamente infinito, isto é (pela Def. 6), Deus, existe necessariamente. QED
Comentário: Nesta última demonstração, quis mostrar a existência de Deus a posteriori para que a demonstração fosse mais fácil de perceber, o que não quer dizer que a existência de Deus não se siga a priori do mesmo fundamento. Pois uma vez que poder existir é uma potência, segue-se que, quanto mais realidade compete à natureza de uma coisa, mais força ela tem de existir. E, precisamente, o ser absolutamente infinito, ou Deus, tem uma potência absoluta e infinita de existir e, portanto, existe absolutamente. Mas talvez muitos não tenham facilidade de ver a evidência desta demonstração, acostumados que estão a só contemplar coisas que são determinadas por causas externas. Eles veem nelas que as coisas que são feitas rapidamente, isto é, as que existem facilmente, também perecem facilmente. Inversamente, julgam que coisas às quais muitas coisas se relacionam, são mais difíceis de fazer, isto é, não existem facilmente. Mas para livrá-los destes preconceitos, não tenho necessidade de mostrar aqui a razão por que é verdadeiro dito o que é feito rápido, rápido perece, nem de mostrar que com relação à natureza inteira todas as coisas são igualmente fáceis. É suficiente notar que não falo aqui de coisas que existem devido a causas externas, mas apenas da substância, que (pela Prop. 6) não pode ser produzida por nenhuma causa externa. Pois as coisas que existem devido a causas externas, quer sejam compostas de muitas ou poucas partes, devem toda sua perfeição ou realidade à potência (virtus) da causa externa, e, por conseguinte, sua existência se origina da perfeição da causa externa e da perfeição delas mesmas. Ao contrário, a perfeição da substância não se deve a nenhuma causa externa, pois sua existência só deve se seguir de sua própria natureza, que é sua própria essência. Portanto, a perfeição de uma coisa não lhe tolhe a existência, mas, ao contrário, a estabelece, enquanto que a imperfeição esta sim tolhe a existência. Donde não podemos estar mais certos da existência algo do que da existência do Ente absolutamente infinito, ou perfeito, isto é Deus. Pois sua essência exclui toda imperfeição e envolve a perfeição absoluta, fato que dá à sua existência a mais alta certeza e suprime toda razão para dela duvidar, o que, acredito, ficará claro para quem preste mediana atenção.
Não se pode conceber verdadeiramente nenhum atributo do qual se siga que a substância possa se dividir.
Demonstração: As partes em que a substância se dividiria, ou guardariam a natureza da substância, ou não. No primeiro caso, cada parte deveria ser (pela Prop. 8) infinita (pela Prop. 6), causa de si e (pela Prop. 5) consistir em um atributo diferente, donde, de uma substância se poderia constituir várias, o que (pela Prop. 6) é absurdo. Acrescente-se a isso que (pela Prop. 2) as partes não teriam nada em comum com o todo, e o todo (pela Defin. 4 e Prop. 10) poderia ser e ser concebido sem as suas partes, o que é um absurdo para além de qualquer dúvida. No segundo caso, a saber, em que as partes não guardariam a natureza da substância, a substância perderia sua natureza e deixaria de existir, o que (pela Prop. 7) é absurdo.
Uma substância absolutamente infinita é indivisível.
Demonstração: Se fosse divisível, as partes em que se dividiria, ou guardariam a natureza da substância absolutamente infinita, ou não. No primeiro caso, haveria várias substâncias de mesma natureza, o que (pela Prop. 5) é absurdo. No segundo caso, a substância absolutamente infinita (como vimos acima) deixaria de existir, o que (pela Prop. 11) é absurdo.
Resultado: Segue-se que nenhuma substância, e consequentemente, nenhuma substância corpórea, pode, enquanto substância, ser divisível.
Comentário: Compreende-se mais simplesmente que a substância é indivisível, tendo em vista que a natureza da substância só pode ser concebida como infinita, mas uma parte da substância só pode ser entendida como uma substância finita, implicando (pela Prop. 8) em contradição evidente.
Afora Deus não pode haver nem ser concebida nenhuma substância.
Demonstração: Como Deus é o ente absolutamente infinito, que não pode ser negado por nenhum atributo exprimindo a essência da substância (pela Def. 6) e que existe necessariamente (pela Prop. 11), se houvesse alguma substância além de Deus, ela deveria se explicar por algum atributo de Deus e existiriam duas substâncias de mesmo atributo, o que (pela Prop. 5) é absurdo. Donde não pode haver, nem consequentemente ser concebida, nenhuma substância afora Deus. Pois se fosse possível conceber tal substância, ela deveria ser necessariamente ser concebida como existente, o que (pela primeira parte desta Demonstr.) é absurdo. Logo, afora Deus não pode haver nem ser concebida nenhuma substância. QED
Resultado I: Segue-se de forma claríssima (I) Que Deus é único, isto é (pela Def. 6), que na natureza só há uma substância, que é absolutamente infinita, como indicamos no Com. Prop 10.
Resultado II: Segue-se (II) que a coisa extensa e a coisa pensante ou são atributos de Deus ou (pelo Axioma 1) são afecções dos atributos de Deus.
Tudo que é, é em Deus e sem Deus nada pode ser nem ser concebido.
Demonstração: Afora Deus não pode haver nem ser concebida nenhuma substância (pela Prop. 14), isto é (pela Def. 3) nenhuma coisa que é em si e é concebida por si. E os modos (pela Def. 5) não podem ser nem ser concebidos sem a substância e, portanto, só podem ser na natureza divina e só podem ser concebidos por ela. Ora, nada existe além de substâncias e modos (pelo Axiom. 1). Logo, nada pode ser nem ser concebido sem Deus. QED
Comentário: Há quem imagine que Deus, à semelhança do homem, é composto de corpo e mente e está sujeito às paixões. Mas o quão eles se afastam da verdadeiro conhecimento de Deus já foi suficientemente estabelecido pelo que demonstramos. Mas os deixo de lado, pois todos os que contemplaram de algum modo a natureza divina negam que Deus seja corpóreo. Eles o provam muito bem partindo de que entendemos por corpo algo dotado de quantidade, comprimento, largura e profundidade e limitado por alguma figura e isto não pode ser dito de Deus, o ente absolutamente infinito, sem recair no maior dos absurdos. E, no entanto, por outros argumentos que acrescentam no esforço por demonstrar a mesma coisa, mostram claramente que removem por completo a substância corpórea ou extensa da natureza divina, estabelecendo que ela foi criada por Deus. Mas por qual potência divina ele pôde criá-la, eles mesmos ignoram, mostrando claramente que não entendem o que eles mesmos dizem. Quanto a mim, demonstrei com clareza, a meu juízo pelo menos (vide Res. l Prop. 6 e Com. 2 Prop. 8), que nenhuma substância pode ser produzida ou criada por outra coisa. Em seguida, na Prop. 14, mostramos que afora Deus não pode haver ou ser concebida nenhuma substância, donde concluímos que a substância extensa é um dos infinitos atributos de Deus. Mas para uma explicação mais completa, refutarei os argumentos dos adversários que recaem no seguinte. Primeiramente, a substância corpórea, enquanto substância, é composta de partes, pensam eles. Por esta razão negam que ela possa ser infinita e que possa pertencer a Deus. E explicam isto por múltiplos exemplos, dos quais mencionarei um ou outro. Se a substância corpórea é infinita, dizem, conceba-se sua divisão em duas partes. Cada uma delas será ou finita ou infinita. Se for finita, o infinito seria composto de duas partes finitas, o que é absurdo. Se for infinita, haveria um infinito duas vezes maior que outro, o que também é absurdo. Além disso, se uma quantidade infinita for medida em partes de um pé, deve ser composta de infinitas de tais partes, da mesma forma como se for medida em partes de uma polegada, e assim um número infinito será doze vezes maior que outro número, o que é não menos absurdo. Finalmente, se concebemos que de um ponto de certa quantidade infinita, duas linhas, sejam AB e AC, que têm no início uma distância determinada, se projetam ao infinito. É certo que a distância entre B e C aumentará continuamente, até se transformar, de determinada que era, em indeterminada. E como tais absurdos se seguem, pensam eles, de que se supõe uma quantidade infinita, concluem que a substância corpórea deve ser finita e, consequentemente, que ela não deve pertencer à essência de Deus. Um segundo argumento aponta para a suma perfeição de Deus. Deus sendo o ente sumamente perfeito, dizem eles, não pode ser passivo. Mas a substância corpórea, que é divisível, pode ser passiva, donde se segue que ela não pertence à essência de Deus. Estes são argumentos que encontro nos escritores que se esforçam por mostrar que a substância corpórea é indigna da natureza divina e não pode a ela pertencer. Mas em verdade, quem prestar atenção verá que já lhes respondi, pois tais argumentos estão fundados na suposição de que a substância corpórea é composta de partes, o que (pela Prop. 12 e Res. Prop 13) mostrei ser absurdo. Em seguida, quem quiser corretamente examinar a coisa verá que todos estes absurdos (se forem todos absurdos, o que por ora não discuto), através dos quais procuram concluir que a substância extensa é finita, não seguem nem um pouco da suposição de uma quantidade infinita, e sim da suposição de uma quantidade infinita mensurável e composta de partes finitas. E, portanto, os absurdos que disso se seguem podem apenas concluir que uma quantidade infinita não é mensurável e que não pode ser composta de partes finitas. Mas isso é justamente o que nós (Prop. 12, etc.) já demonstramos. E assim a arma que nos apontaram na verdade se volta contra eles. Se, portanto, deste absurdo pretendem concluir que a substância extensa deve ser finita, fazem como aquele que, tendo imaginado que o círculo tem as propriedades do quadrado, conclui não ter o círculo não um centro a partir do qual as linhas tiradas com relação à circunferência são iguais. Pois a substância corpórea, que só pode ser concebida como infinita, única e indivisível (veja Props. 8, 5 e 12), eles a concebem composta de partes finitas, múltiplas e divisíveis, para poder então concluir que ela é finita. Igualmente, é assim que outros, após terem imaginado que uma linha é composta de pontos, souberam inventar numerosos argumentos para mostrar que uma linha não pode ser infinitamente dividida. Com efeito, não é menos absurdo supor que a substância corpórea seja composta de corpos ou partes, do que supor um corpo composto de superfícies, superfícies compostas de linhas e linhas compostas de pontos. E isto, todos os que sabem que uma razão clara é infalível devem reconhecer e, em primeiro lugar, os que negam a existência do vácuo. Pois se a substância corpórea pudesse ser dividida de forma que suas partes fossem realmente distintas, não poderia uma parte ser eliminada enquanto as partes remanescentes mantivessem suas conexões anteriores? E por que todas as partes devem se ajustar de forma que não haja vácuo? Certamente, se as coisas são realmente distintas entre si, uma pode ser e manter sua condição sem as outras. Mas como não há vácuo na natureza (ver sobre isso alhures), devendo todas as partes dela concorrer para que não haja vácuo, segue-se que estas partes não podem ser realmente distintas, isto é, que a substância corpórea, enquanto substância, não pode ser dividida. Se, entretanto, perguntarmos por que razão somos naturalmente propensos a fazer divisões de quantidade, responderei que podemos conceber a quantidade de dois modos: seja abstratamente (ou superficialmente) na medida em que imaginamos, seja como substância, o que só pode ser feito pelo intelecto. Se atentamos para a quantidade como ela é na imaginação, o que fazemos frequentemente e com facilidade, vemos que ela é finita, divisível e composta de partes. Mas se a atentamos a ela como ela é no intelecto e a concebemos como substância, o que acontece raramente e com grande dificuldade, vemos, e isso já demonstramos, como infinita, única e indivisível. Por exemplo, podemos conceber que a água, enquanto água, pode ser dividida e que suas partes se separam umas das outras. Mas a água, enquanto substância corpórea não ser separada nem dividida. E isto é evidente para todos os que saibam distinguir entre imaginação e intelecto, particularmente ao atentar que a matéria é a mesma em todo lugar, e as partes são distintas apenas na medida em que concebemos a matéria como sendo afetada de diferentes maneiras as partes, portanto, são distintas modalmente e não realmente. Por exemplo, podemos conceber que a água, enquanto água, seja divisível e suas partes possam ser separadas umas das outras. Mas a água, enquanto substância corpórea não pode ser separada nem dividida. E novamente, a água, enquanto água, pode ser gerada e corrompida, mas enquanto substância não pode ser nem gerada nem corrompida. Com isso julgo ter respondido ao segundo argumento, posto que ele está fundado na suposição de que a matéria, como substância, é divisível e composta de partes. E mesmo que assim não fosse, ignoro por que [a matéria] seria indigna da natureza divina, pois (pela Prop. 14) fora de Deus não pode haver nenhuma substância que o tornasse passivo. Eu digo que todas as coisas são em Deus e que tudo o se que acontece, acontece somente através das leis da natureza infinita de Deus e se segue (mostrarei em seguida) da necessidade de sua essência. Então, não há razão alguma para dizer que Deus possa ser passivo ou que a sustância extensa (ainda que seja suposta como divisível, mas concedendo ser ela eterna e infinita) seja indigna da natureza divina. Mas a este propósito basta pelo momento.
Da necessidade na natureza divina devem se seguir infinitas coisas de infinitos modos (isto é, tudo o que possa cair sob um intelecto infinito).
Demonstração: Esta proposição deve ser evidente para qualquer um, bastando para isso atentar para que o intelecto conclui, da definição de uma coisa (isto é, da própria essência da coisa), diversas propriedades que dela se seguem necessariamente, e que estas são em maior número quanto mais realidade a definição da coisa exprimir, isto é quanto mais realidade a essência da coisa envolver. E como a natureza divina tem absolutamente infinitos atributos (pela Def. 6), cada um dos quais exprimindo uma essência infinita em seu gênero, então de sua necessidade devem se seguir necessariamente infinitas de coisas de infinitos modos (isto é, tudo o que possa ser cair sob um intelecto infinito).
Resultado I: Disso segue-se que Deus é causa eficiente de todas as coisas que possam cair sob um intelecto infinito.
Resultado II: Segue-se que Deus é causa por si e não por acidente.
Resultado III: Segue-se que Deus é absolutamente causa primeira.
Deus age apenas pelas leis de sua natureza e não é compelido por ninguém.
Demonstração: Mostramos na Prop 16 que somente da necessidade da natureza divina, ou (o que é o mesmo) somente das leis de sua natureza, se seguem absolutamente infinitas coisas. Na Prop. 15 demonstramos que sem Deus nada pode ser nem ser concebido e que tudo o que é, é em Deus. Portanto, nada pode haver fora dele que o determine ou coaja a agir, e assim, ele age somente pelas leis de sua natureza e não é compelido por ninguém. QED
Resultado I: Disso se segue (I) que não há causa, extrínseca a Deus ou intrínseca, que o incite a agir, além a perfeição de sua natureza.
Resultado II: Segue-se (II) que somente Deus é causa livre. Com efeito, Deus existe somente pela necessidade de sua natureza (pela Prop. 11 e Res. 1 da Prop. 17).
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